Neste artigo, Dr. Rafael Corrêa e sua estagiária Giovana Alonso abordam pontos importantes no que tange ao cio, através da sua experiência com reprodução de bovinos. Estro ou cio caracteriza-se como um comportamento específico que muitos mamíferos possuem. Comportamento, este, que traduz o período fértil da vaca, funcionando como um mecanismo que garante que a fêmea seja montada próximo ao momento da ovulação. Ou seja, tal estratégia torna um evento invisível em um sinal visível ao exterior. No decorrer dos anos houve um amplo progresso no que se conhece sobre a fisiologia reprodutiva, sendo que muitos estudos abordaram especificamente o estro, desenvolvendo novas formas de detecção deste. Contudo, tais ciências ainda não são capazes de suprir a detecção do estro, havendo muitas falhas que levam a perdas econômicas. Segundo estudo, sua detecção incorreta está relacionada a um custo anual de 300 milhões de dólares na indústria leiteira dos EUA. (Senger, 1994). Dentre as falhas que podem ocorrer durante a detecção, podemos citar: os cios relacionados às vacas prenhes, como o cio do “encabelamento”; cio ocorrido antes de 45 dias do parto; e, por fim, o cio com infecção uterina (Dijkhuizen et al., 1997).
Vacas
gestantes geram, muitas vezes, o engano de que estão em período de
estro, por demonstrarem comportamento clássico ao cio, como
permanecer parada quando montada, por exemplo. Estudos mostraram que
cerca de 19% das inseminações foram realizadas em vacas prenhes, o
que gera grande prejuízo econômico, tanto por não alcançar as
metas previstas, como por perder muito do que já era garantido. Isto
ocorre devido ao fato de que uma nova inseminação pode gerar aborto
do feto já em desenvolvimento; além disso, há também o gasto com
material e com o sêmen desperdiçado (Sturman et al., 2000).
-
Variáveis da expressão de estro
O
fenômeno do estro acontece devido à atuação dos hormônios
esteroides do ovário nos centros comportamentais do cérebro do
mamífero. Mas a sua expressão é afetada por diversos fatores,
sendo estes internos ou externos. Um destes pode ser o clima, pois em
casos de extremo calor, o animal de produção leiteira,
principalmente, entra em estresse agudo, o que afeta a produção de
esteroides pelo folículo dominante, gerando consequências piores em
países quentes, como o Brasil. Muitos dos estudos reportam um efeito
sazonal no comportamento estral, vacas de corte são montadas mais
frequentemente durante o estro que ocorre no inverno e a duração
deste é maior durante o verão, mas com maiores intervalos entre as
montas Tab
1.
Podemos citar também a herdabilidade do grau de expressão do estro,
um fator interno da vaca, que mesmo sendo baixo permanece sendo de
grande importância. A duração da receptividade sexual e
intensidade de estro são maiores em Bos
taurus do
que em Bos
indicus,
além de que raças de pelagem escura tendem a demonstrar
comportamento estral mais intenso em comparação com aquelas de pelo
branco ou vermelho. Abaixo seguem estudos de duração de cio em
diferentes raças e categorias Tab.
2, 3.
Tabela
1. Tabela
de efeito sazonal e comportamento estral.
Natureza
do comportamento
|
Verão
|
Inverno
|
Primavera
|
Duração
do estro
|
21,02
± 0,35
|
18,73
± 0,18
|
18,04
± 0,19
|
Número
de montas
|
49,51
±0,28
|
61,52
±0,44
|
39,69
±0,43
|
Tabela 2. Duração média de cio: Bos taurus x Bos indicus
Tabela
específica de gado de corte.
Autor
|
Raça
|
Duração
do estro (h)
|
RAE
et al (1999)
|
Novilhas
Cruzadas
|
9,38
± 0,7
|
ROCHA
et al, (1999)
|
Novilhas
Angus
|
8,52
± 1,2
|
ROCHA
et al, (1999)
|
Novilhas
Brahman
|
6,65
± 1,2
|
ROCHA
et al, (1999)
|
Novilhas
Cruzadas
|
11,90
± 1,2
|
HERNÁNDEZ
et al, (2002)
|
Vacas
Angus
|
11
± 4
|
HERNÁNDEZ
et al, (2002)
|
Vacas
Brahman
|
6
± 7
|
HERNÁNDEZ
et al, (2002)
|
Vacas
Senepol
|
7
± 6
|
DOVALLE
et al, (1994)
|
Vacas
Nelore
|
10,7
± 2,3
|
Tabela
específica de gado de leite.
Autor
|
Raça
|
Duração
do estro (h)
|
LOPEZ
et al, (2004)
|
Holandesas
primíparas
|
9,4
± 0,6
|
LOPEZ
et al, (2004)
|
Holandesas
multíparas
|
8
± 0,6
|
PERALTA
et al, (2005)
|
Holandesas
em lactação
|
7,8
± 5,6
|
Ainda
sobre expressão de estro em Bos
indicus,
mais especificamente em gado Nelore, foi realizado um estudo por
Pinheiro et al., (1998) em que se concluiu que as ovulações em
fêmeas Nelores ocorrem, aproximadamente, 26 horas após o início do
estro. Além disso, o comportamento estral é menor do que em raças
europeias, havendo alta incidência de estro pela noite, o que
dificulta a detecção deste.
Outro
fator que interfere na expressão e consequente detecção do cio é
o pós-parto. É muito comum na primeira ovulação pós-parto,
principalmente em vacas leiteiras lactentes, a ocorrência do cio
silencioso. O retorno ao ciclo regular no pós-parto é um momento
crítico para a eficiência reprodutiva, dado que o seu atraso
provoca consequências na eficiência produtiva da fazenda. Um estudo
com 267 vacas leiteiras em lactação demonstrou que aquelas com alta
produção de leite (≥ 39,5 kg/dia) tiveram uma menor concentração
sérica de estradiol nos dias de estro e menor duração deste, uma
menor concentração sérica de estradiol nos dias de estro e menor
duração deste, comparado às vacas de menor produção (≤ 39,5
kg/dia). Outro estudo que avaliou 5883 estros evidenciou que a cada 1
kg ganho em produção de leite, havia decréscimo de 1,6%
da atividade (número de passos). A claudicação é um fator
clássico de inibição da expressão do estro e, portanto, sua
detecção Fig.
1.
Tal redução de expressão pode ser causada por óbvias limitações
físicas, induzindo uma redução de frequência de comportamentos
primários e secundários do estro. Vacas com problemas locomotores
passam maior tempo deitadas e menos tempo em pé ou andando, mesmo
durante o estro. (Walker et al., 2008)
Fig 1 - Dr. Rafael Corrêa fazendo palpação retal
Fig.
2 – Ferida
no casco (causas de claudicação em bovinos)
O
fluido vaginal e cervical é a primeira barreira física que o
espermatozoide deve ultrapassar para chegar ao seu destino de
fertilizar o óvulo. Contudo, tal barreira é necessária para uma
melhor seleção dos espermatozoides e para dar continuidade à
capacitação destes. Durante a fase folicular, o muco cervical
torna-se mais abundante, aquoso e translúcido, menos viscoso, ou
seja, mais fácil de atravessar. Já durante a fase luteal, este se
torna mais escasso e viscoso, logo, mais difícil para o
espermatozoide penetrar. A observação clínica do fluido vaginal
pode mostrar como está o ambiente uterino Fig.
2, 3.
Frequentemente há presença de bactérias patogênicas no lúmen
uterino pós parto, e podem persistirem causando doenças uterinas,
principalmente endometrites (> 21 dias pós parto).
Fig.
3 – Muco
limpo (fase folicular)
Fig. 4 – Muco purulento (fase folicular)
O
diagnóstico das endometrites pode ser realizado através de diversas
ferramentas, como a avaliação do conteúdo da secreção vaginal
(aspecto, odor, coloração). A seguir segue uma figura apresentada
por Sheldon et al., (2006).
Fig.3 - Tabela comparativa de muco
2. Ferramentas
auxiliares na detecção de estro
A
expressão do cio é complexa, como já demonstrado. Mas, é de
complexidade maior ainda a detecção desta expressão. Sabe-se que o
sinal mais pronunciado do estro é o ato de permanecer imóvel
enquanto montada. Fig.
5
Porém, muitas vacas não o demonstram durante todo o estro, o que
aumenta de forma drástica as chances de não detecção do cio, nos
casos em que optam por apenas observar o sinal de monta. Mas há
outros sinais comportamentais também importantes durante o estro,
chamados de sinais secundários.
Fig.
5 – Principal
sinal de estro: fêmea imóvel ao ser montada.
Fig. 6 - Podômetro
Os
comportamentos mais intensos durante o estro em comparação com
não-estro são: inquietação, cheirar a vulva de outra vaca,
reflexo flehmen (o animal fica ereto, estende o pescoço e ergue a
cabeça, abre bem as narinas, com pequena abertura da boca com
enrolamento do lábio superior), apoiar a cabeça sobre o dorso de
outra vaca, montar e ser montada sem permanecer, lamber, friccionar e
praticar cabeçadas em outras vacas. O método desenvolvido para
guiar os fazendeiros é baseado em períodos do dia (manhã e tarde).
Ou seja, vacas com sinais de estro identificados pela manhã, devem
ser inseminadas à tarde e aquelas observadas à tarde, devem ser
inseminadas no início da manhã seguinte, segundo o método
desenvolvido por TRIMBERGER.
Mas alguns sinais comportamentais são muito dificeis de serem
observados sem algum auxílio tecnológico, como o aumento de
atividade, evidenciado pelo aumento de passos dados pela vaca. Desta
forma, torna-se necessário o uso dos dispositivos de auxílio à
detecção de estro. Sendo estes: medidores de atividade (como os
pedômetros, Fig.
6),
análises hormonais, detectores de monta (tecnológicos ou por
marcação), medidores de resistência intravaginal, etc. A taxa de
detecção dos pedômetros varia entre estudos, mas normalmente
permanece em cerca de 80%. Outra ferramenta de auxílio ao estro é o
detector de monta por medidor
de
pressão (Fig.
7),
este aparelho permanece anexado ao sacro da vaca e indica quando esta
foi montada ou não, enviando um sinal por rádio, além dele,
pode-se utilizar de bastão de cera (Fig.
8)
ou
adesivo (Fig.
9).
Suas taxas de detecção variam de 50% a 85% (Nebel et al., 2000;
Firk et al., 2002).
Fig. 7 - detector
de monta por medidor
de
pressão
Fig.8 - Marcação por bastão de cera
Fig.9- Marcação por adesivo
O
sistema eletrônico, baseado na radiotelemetria, fornece o registro
da data, horário e duração das montas ocorridas. Através deste
aparelho foi possível realizar um estudo com o objetivo de avaliar
as características comportamentais de estro em novilhas cruzadas de
corte (Bos
taurus taurus
x Bos
taurus indicus),
criadas em regime extensivo. A duração média dos estros foi de
10,4 + 5,7 horas, duração que variou de 45 minutos a 22,7 horas. O
número médio de montas foi de 26,2 + 13,6 e variou de 3 a 81
montas. A duração média das montas foi de 2,7 + 0,3 segundos.
Neste estudo confirmou-se a hipótese de que o comportamento de estro
é extremamente variável entre as fêmeas. (Bertan et al., 2006)
Tamanha
é a importância da detecção correta do estro que os estudos de
aprimoramento de ferramentas auxiliares de detecção não se
esgotam. Um artigo deste ano inovou com uma moderna tecnologia:
Andersson et al., (2016) desenvolveram um sensor de detecção de
estro com sinal WiFi; tal aparelho trata-se de uma probe intravaginal
que capta múltiplos parâmetros, como aceleração, temperatura
vaginal e resistência do tecido vaginal. Os medidores de temperatura
detectam o aumento desta quando o animal estiver próximo ao pico de
LH, durante o estro. Até o momento, o aparelho utiliza de padrões
basais para detectar os desvios em cada parâmetro individualmente.
Contudo, as intenções dos pesquisadores são de aprimorar o
equipamento, fazendo com que este avalie os dados de forma coletiva.
Com a abordagem multi-parâmetro, a probe pode gerar alerta de
detecção de estro com alta precisão temporal e resistência a
falsos positivos.
Nelson
et al., (2016) realizaram um estudo com o intuito primário de
avaliar a capacidade de um sistema automático de monitoramento de
atividade (AAMS) para detectar o estro em vacas de corte e com o
intuito secundário de estimar o tempo entre o estro e a ovulação.
Tal experimento foi realizado com gado Hereford puro-sangue. A
observação visual do estro foi realizada 3 vezes ao dia, por 20
minutos cada vez e a atividade gravada pelo sistema AAMS, Heatime.
Para estimar o momento da ovulação,as
vacas foram submetidas a ultrassonografias transretais a cada 8
horas. Além disso, análises de progesteronas no sangue foram
realizadas 3 vezes por semana, determinando que 1-ng progesterona/mL
sérica definiria a atividade luteal. Como resultado obteve-se que o
AAMS teve 90% de sensibilidade e 100% de especificidade para detectar
estro, enquanto que a detecção visual teve 77% de sensibilidade e
89% de especificidade, quando comparado ao padrão sérico de
concentração de progesterona. Já quando ambos os métodos foram
usados paralelamente, a sensibilidade aumentou para 96% e a
especificidade para 90%. O intervalo de tempo entre o estro detectado
por AAMS até a ovulação foi de 25 horas para novilhas e 23 horas
para vacas. Já quando detectado visualmente, foi de 28 horas para
novilhas e 21 horas para vacas. Ou seja, o AAMS teve tanto maior
sensibilidade quanto especificidade, quando comparada com a
observação visual tradicional. E o intervalo de tempo entre estro e
ovulação obtido no estudo indica que quanto mais cedo o rebanho for
inseminado, após a detecção de estro, melhor para o desempenho
reprodutivo.
A
ideal detecção de estro envolve todos os métodos possíveis para a
melhor realização desta, como a combinação dos dispositivos de
auxílio e a melhor forma de observação. Um estudo utilizou uma
frequência de observação de 3 vezes ao dia, um dispositivo de
detecção de monta e um “transponder” de atividade. Apenas a
observação visual obteve uma detecção de 49,3%, o dispositivo de
monta, 48% e o transponder, 37,3%. Já a combinação destes três
sistemas gerou uma alta taxa de detecção, uma taxa de 80,2%.
(Peralta et al., 2005) Só desta forma pode-se chegar ao ato final do
processo de detecção de estro, a inseminação artificial. A
eficiência da inseminação depende de inúmeros fatores, como já
citado, contudo, um dos fatores mais importantes é a habilidade do
inseminador para depositar o sêmen no apropriado local do trato
reprodutivo da vaca (no corpo do útero, cerca de 2 cm a frente da
cérvix) e no apropriado estágio do estro . O intenso treino de
inseminadores ao redor do mundo (veja
também o artigo intitulado: “Ourofino Agronegócio: superando os
paradigmas da capacitação rural”)
é uma das maiores contribuições ao sucesso da aplicação
comercial da inseminação artificial. É sempre importante
permanecer consciente sobre todos os fatores capazes de influenciar a
expressão do estro e a sua detecção, para que, desta forma, seja
possível manejar aqueles que possam ser mudados e aprimorados.
Referências
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